quinta-feira, 13 de agosto de 2009

CESÁRIO VERDE


Para quem gosta de Cesário e não só

Um inédito de Cesário
AMANHÃ PASSAM 123 ANOS SOBRE A MORTE DE CESÁRIO VERDE, POETA MAIOR DA NOSSA LÍNGUA. O EXPRESSO RECUPERA UM INÉDITO
TEXTO DE ERNESTO RODRIGUES (Expresso-actual, 2009.Julho.18)
HÁ NOTÍCIA de dois poemas de Cesário Verde (1855-1886) que ninguém encontra: Joel Serrão, no "Diário de Notícias" (23-3-1986), e Pedro da Silveira, no catálogo da exposição comemorativa do primeiro centenário da morte (Biblioteca Nacional, 1986), em 19 de Julho, lembram 'O Voto Negro' e 'Subindo'. Mas nunca se citou 'Escândalos', para o qual me alertou Mauro Nicola Póvoas, da Universidade Federal do Rio Grande (Sul do Brasil).
Não há edição séria de oitocentistas sem rastrear mais de cinco mil jornais e revistas, afora centenas de almanaques. De Antero a João de Deus, é forçosa esta revisão. Quanto a Cesário, diz ainda Silveira "ser quase certo ter colaborado no almanaque 'Hom'essa! Pist-ò-tira!' para 1877" (pág. 15), que se não encontra.
O primeiro poema datado, 'A Forca', traz 2 de Abril de 1873: é um dos três com que se estreia no "DN" de 12-11-1873, apresentado pelo redactor Eduardo Coelho, antigo marçano do pai, com loja de ferragens na Rua dos Fanqueiros. O "Diário Ilustrado" de 13 logo anuncia livro, "Cânticos do Realismo", em que se apoiou Teresa Sobral Cunha ("Cânticos do Realismo e Outros Poemas", 2006): além de remeter para Agosto a estreia em letra de forma, com versos não assinados na revista "Artes e Letras", procede a um alinhamento cronológico de 41 poemas, diverso da "Obra Completa" (2001), organizada por Joel Serrão, que faz seguir os 22 de "O Livro de Cesário Verde" (1887), por Silva Pinto, de 17 aí não incluídos.
Teria sido 1873 um ano tão produtivo para requerer volume? Se Cesário não contesta aquele título, certo é que, em Dezembro ou inícios de 1874, imprime e distribui a sátira "Ele / Ao Diário Ilustrado", jornal que diz um "vómito real". Entretanto, já no "DN", ou no portuense "Diário da Tarde" (menos em "A Tribuna" e "A Harpa"), 1874 será bem mais produtivo: referem-se, pelo menos, 17 produções com esta data, e venho acrescentar um capricho estival. Donde quase metade da cesárica produção é de 1874 – e, com razão, "A República" ,de 27 de Dezembro anunciava livro...
Entre títulos maioritariamente no plural e um efeito-surpresa característico, acresce o facto de as nossas quatro quintilhas em alexandrinos e quebra hexassilábica comparecerem no "Almanach XPTO para 1875" (Lisboa, 1874, pág. 30-31). Lançado como "Almanach X. P. T. O. / Popular, Joco Serio, Commercial, Artístico, Critico e Litterario / para 1870", são 32 páginas a duas colunas saídas da Tipografia Universal de Tomás Quintino Antunes, Rua dos Calafates, 110, ou seja, das máquinas do "DN", que hoje dá nome àquela rua. Apesar do tom, nomes do matutino colaboram em projecto editado até 1878 (para 1879), datas do número único do "Almanach Escandalo!!!", em que reencontramos Eduardo Coelho e assinatura de um XPTO ainda enigmático, que os dicionários de pseudónimos não contemplam, e pode ser José Inácio de Araújo (1827-1907), um ourives lisboeta que tanto distribuía versos como bom humor. O exclusivo deste J.I. d'Araujo, como assinava, está no segundo ano da publicação, em 1871 (para 1872); regressa em 1873 (para 1874) como "Almanach XPTO I Comico, Burlesco e Satyrico", contando, entre outros, até ao final com nomes como os de Brito Aranha, Gomes Leal, Júlio César Machado, Bulhão Pato, João de Deus, Costa Goodolphim e Guerra Junqueiro.

CESÁRIO VERDE escreveu as quatro quintilhas de 'Escândalos' em 1874

O poema

Com capa de Columbano Bordalo Pinheiro, o quarto número do "Almanach XPTO" encaixa o texto de Cesário como terceiro num lote de sete poemas, sendo parceiro mais conhecido Santos Valente. Aqui se transcreve, ípsís verbís (apesar de arrepios ortográficos, sobretudo no derradeiro e cínico verso, em resposta à mulher de fogo):

ESCANDALOS
Fallava-Ihe ella assim: – "Não sei
[porque me odeia.
"Não sei porque despreza a luz dos
[meus olhares.
"Se o adoro com fervor, se não me
[julgo feia.
"E o meu olhar eguala as chammas
[singulares
"Do incendio de Pompeia!

"Instiga-me o aguilhão do vicio
[fatigante.
"E crava-me o capricho os vigorosos
[dentes;
"Não quero o doce amor platonico do
[Dante
"E sinto vir a febre e as pulsações
[frequentes
"Ao vel-o, ó meu amante!

"As ancias, as paixões, os fogos, os
[ardores.
"Allucinada e louca, eu vejo que
[abomina.
"E ignoro com que fim, em tempos
[anteriores,
"Enchia me de gosto a bôca
[purpurina.
"E o seio de calores!"

E elle ao vel-a excitante, hysterica.
[exaltada.
Volveu lhe glacial, britannico,
[insolente:
– "A tua exaltação decerto não me
[agrada.
"E, ó minha libertina! eu quero-te
[somente
"Para mecher salada!"

Lisboa, Agosto, 1874
CESARIO VERDE

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